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Rasga mortalha

Entrevista com Lucas Sá

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O maranhense Lucas Sá tem uma bela e premiada filmografia formada por curtas-metragens, entre eles O Membro Decaído (2012), Ruído Branco (2013) e  Nua por Dentro do Couro (2014), os quais escreveu, dirigiu e montou. Longe da direção cinema propriamente dito desde 2016, nos últimos anos Lucas tem se destacado na direção de videoclipes, sendo o último deles o da canção “Sinal Fechado”, de Getúlio Abelha. Assim como em seus filmes, seus vídeos musicais costumam abordar o horror com irreverência. O frescor, a criatividade e o alto nível de produção de seu videoclipe mais recente reacende uma discussão sobre o lugar do vídeo musical na produção audiovisual, comumente visto com desapreço pela comunidade cinematográfica, mas que, com o retorno de sua popularidade pelo YouTube, tem revelado talentos incríveis. Leia abaixo a entrevista que fiz com o cineasta Lucas Sá.

Imagem de bastidores do curta-metragem Nua Por Dentro do Couro.

1 – Por que fazer filmes de horror?

Acho que tem a ver muito com minha personalidade e com o que penso sobre o mundo. Acredito que algumas coisas que vivi na infância e na adolescência me fizeram ter apego a essa realidade mais fantasiosa e penso que o horror carrega essa subjetividade, além de trazer essa deformação e esse exagero de imagens que não existem no mundo real. Me incomoda muito viver essa mesmice do cotidiano que estamos acostumados, externar essas coisas em imagens, que no fim são uma grande mentira. O horror é divertido e me preenche enquanto ser humano. Acho que esse exagero do cinema de horror e a agressividade das cenas me trazem uma sensação de inquietação, o que para mim, faz bem.

O cineasta maranhense Lucas Sá.

2 – No curta “O membro decaído” é possível notar uma referência ao cinema de Julio Bressane, quando a música do Roberto Carlos enrosca. Essa suposição está correta? Para além da citação explícita, você acha que existe um diálogo entre o cinema udigrúdi e as produções contemporâneas?

Simmm!!! Tá sim, eu passei a conhecer o Julio Bressane melhor enquanto estava bolando o roteiro do O Membro Decaído, e o Matou a Família e foi ao Cinema me impactou muito. Quando vi, foi uma forma de tentar de alguma forma trazer a energia desse filme e do Cinema Udigrúdi para dentro do O Membro Decaído, além de que a música é super nostálgica, cria um clima gostosinho na cena. Nossa! Pouca gente percebe isso no curta, fico feliz que tenha notado! Sobre o diálogo contemporâneo com o udigrúdi, acredito que sim, mas não sei se hoje em dia. Ando um pouco desestimulado com o cinema, estou vendo pouca coisa, não sei o que aconteceu comigo, espero melhorar isso dentro de mim em breve. Mas o udigrúdi me faz lembrar muito do cinema feito em Fortaleza, pessoal da Alumbramento Filmes e demais diretores. Gosto muito de Inferninho e A Misteriosa Morte de Pérola, o cinema do Ceará tem uma crueza legal e certa agressividade no modo de narrar as histórias.

3 – Quais são as principais diferenças entre fazer um curta de ficção e um videoclipe? O que muda em termos de planejamento, decupagem, ritmo etc?

Eu sempre fui muito apaixonado por videoclipes, passava muito tempo vendo a MTV e agora passo muito tempo no YouTube buscando referências em clipes. Acho que os dois são bem conectados, sobretudo com os filmes musicais. Mas a diferença maior é a diversão que é gravar um clipe, é muito mais legal e leve, eu me divirto muito, consigo sorrir e brincar com a equipe. Em cinema tudo parece que tem que soar mais “sério”, mais “intelectualizado”, me cansa um pouco a seriedade que o cinema passa, não só no momento da gravação, mas como também na temática do filme… Acho que no Nua por Dentro do Couro foi uma forma de me aproximar dessa estética de clipe e tentar dar uma mesclada em cinema + clipe, principalmente na cena em câmera lenta que a personagem come o bolinho envenenado e toca a música da “Ashanti” ao fundo, bem altão.

O cantor Getúlio Abelha em cena do clipe “Sinal Fechado”.

As imagens que o horror propõem são muito fortes e criam um impacto visual memorável em quem as assiste, acho que por isso acredito nessa estética.

4 – Por que levar a estética do horror também para os videoclipes? Você acha que essa é uma tendência atual?

É natural os clipes que fiz terem essa estética do horror, eu consumo muito isso e acharia meio estranho e covarde comigo mesmo se na hora de realizar eu fosse fazer uma coisa totalmente fora do que já venho construindo com o cinema. É o que eu sei fazer: Se não tem sangue, não tem graça! Mas já estou pensando em projetos futuros que fogem um pouco disso, até para não me encaixarem em um lugar onde as pessoas pensem que eu só sei fazer isso. Vou tentar experimentar mais, me tirar dessa zona de conforto. Acho que certos artistas trouxeram essa estética nos clipes: o próprio “Thriller”, do Michael Jackson é o clipe mais comentado da história. Acho que esse feito de “Thriller” reforçou muito isso como algo que agrada as pessoas e influenciou certamente a Grace Jones, Lady Gaga, Madonna e outros. As imagens que o horror propõem são muito fortes e criam um impacto visual memorável em quem as assiste, acho que por isso acredito nessa estética.

O horror é divertido e me preenche enquanto ser humano.

5 – Quais foram as principais referências para o videoclipe do Getúlio?

Como a música fala dessa paixão dentro de um carro, me veio logo em mente o filme Christine, o Carro Assassino, do John Carpenter. Esse foi o ponto de partida do roteiro. O filme influenciou muito nessa ideia de que o carro está “vivo” e na cor vermelha predominando o clipe todo, já que o carro do filme também é dessa cor. A maquiagem e o clima de humor caricato vem muito do The Rocky Horror Picture Show e Elvira, a Rainha das Trevas, sobretudo também no uso de raios no céu, mega digitais e exagerados. Hellraiser, Brazil: o Filme e o clipe de “Mala”, da cantora Maluca, foram usados de referência nas cenas dos fios puxando e deformando o rosto de Getúlio. Isso é uma coisa que gosto dos clipes também, o uso de referências! É bem mais tranquilo, porque vejo que no cinema o público e os críticos estão sempre em busca de algo novo e puro e acabam julgando muito os diretores por fazerem referências a outros filmes… E eu AMO fazer isso.

O cantor Getúlio Abelha em cena do clipe “Sinal Fechado”.

No Maranhão há um choque muito evidente de gerações, do novo com o velho, e isso gera uma desunião bizarra na cidade, porque essa nova safra não é muito bem compreendida.

6 – Essa combinação de horror com uma pegada queer combina com o Nordeste de hoje? Como seus filmes são recebidos pelo público local?

Não só o horror como a ficção científica tem ganhado cada vez mais espaço no ambiente Queer. Curtas como Janaína Overdrive e os filmes do Surto e Deslumbramento e o recente longa do Jorge Polo e Petrus de Bairros , Canto dos Ossos, têm grande apego ao gênero. Pernambuco e Ceará super arrasam! Aqui no Maranhão tem também, mas em uma proporção menor, o filme Colidiremos e Você é Diferente, do George Pedrosa é total essa união do Queer com o horror! Sobre a recepção do público local, ela é muito boa entre os jovens que estão movimentando a cena maranhense. Isso me deixa muito feliz, porque vejo que a cidade tá cada vez mais se tornando criativa e influente culturalmente. No Maranhão há um choque muito evidente de gerações, do novo com o velho, e isso gera uma desunião bizarra na cidade, porque essa nova safra não é muito bem compreendida.

Assista ao clipe “Sinal Fechado”, de Getúlio Abelha, dirigido por Lucas Sá.

Pesquisadora, crítica, curadora e realizadora cearense radicada em São Paulo, escreve regularmente sobre filmes para livros, encartes de homevideo e catálogos de mostras, além de integrar curadorias e júris de festivais pelo país. Doutoranda em Comunicação Audiovisual (UAM-SP) com pesquisa sobre filmes de horror brasileiros feito por mulheres, ministra palestras e cursos livres sobre cinema. Atualmente, realiza dourado-sanduíche como pesquisadora convidada na Universidade de Sorbonne (Paris). Mantém a revista eletrônica Les Diaboliques, com foco em filmes de horror.

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