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Críticas

O terceiro assassinato (2017)

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Misumi (Kôji Yakusho) passou 30 anos na cadeia pelo assassinato de dois agiotas. Quando sai em liberdade condicional, ele mata e incendeia o corpo do homem que lhe confiou um emprego. Shigemori (Masaharu Fukuyama), advogado de Misumi, é filho do advogado que, 30 anos antes, conseguiu a proeza de livrá-lo da pena de morte. Apesar do suspeito ter confessado o crime, Shigemori mergulha de cabeça no inquérito do assassinato e faz o possível para repetir a façanha do pai, mas os dados parecem cada vez mais inconsistentes.

Em um primeiro momento, por tratar-se de um drama de tribunal, O terceiro assassinato parece um filme atípico na carreira de Hirokazu Kore-eda, que é dado a explorar temas associados à família e às relações humanas muitas vezes de um ponto de vista espiritualista – um de seus filmes mais célebres, Depois da vida (1998), aborda com delicadeza e sensibilidade a temática da vida após a morte. No entanto, apesar de toda a investigação e rotina policial, Kore-eda permanece em terreno conhecido no que diz respeito ao modo como trata seus personagens, filmando com atenção e cuidado a figura humana.

No decorrer do trabalho, Shigemori acaba intensamente envolvido com o caso e com as pessoas que fazem parte dele. É aí que entra o humanismo característico do diretor, que, ao invés de observar seus personagens à distância, como em um tradicional filme desta categoria, aproxima-se deles de maneira muito íntima e profunda. Os personagens se conectam de tal maneira, que quase se confundem: onde o “eu” termina e o “outro” começa? Esse efeito é alcançado através dos planos aproximados dos rostos, sendo por vezes até mesmo sobrepostos.

É perceptível a tentativa de simplificar as questões pertinentes à investigação de modo a priorizar o fator humano, o que é uma estratégia interessante para o objetivo que alcança com louvor, mas, em decorrência disso o filme acaba ficando um pouco repetitivo e às vezes até cartesiano. De todo modo, as perguntas filosóficas se sobressaem e acompanhamos o processo de investigação sem jamais perder o interesse.

No fim das contas, mesmo trabalhando em um cenário distinto, Kore-eda seguiu com um tema muito tradicional do cinema de mestres como Yasujiro Ozu e Kenji Mizoguchi, que é a relação entre pais e filhos, e acrescenta reflexões sempre pertinentes como pena de morte e a interferência do estado na vida do indivíduo. São muitos pontos-de-vista e perguntas lançadas, mas o filme não se propõe respondê-las, e sim a fazer-nos refletir sobre cada uma delas.

Embora seja um filme profundamente dramático, tem alguns momentos de humor através de personagens secundários, o que confere leveza à narrativa. Um detalhe curioso é que Masaharu Fukuyama, o ator que faz o protagonista, é mais conhecido no Japão por seu trabalho como cantor romântico. E vale lembrar que o ator Kôji Yakusho, que aqui interpreta o principal suspeito do assassinato, é o detetive no filme A cura (1997), do celebrado cineasta Kiyoshi Kurosawa.

Beatriz Saldanha

O terceiro assassinato (Sandome no satsujin. Japão, 2017)
Direção: Hirokazu Kore-eda
Elenco: Masaharu Fukuyama, Kôji Yakusho
Distribuidora: Imovision

Pesquisadora, crítica, curadora e realizadora cearense radicada em São Paulo, escreve regularmente sobre filmes para livros, encartes de homevideo e catálogos de mostras, além de integrar curadorias e júris de festivais pelo país. Doutoranda em Comunicação Audiovisual (UAM-SP) com pesquisa sobre filmes de horror brasileiros feito por mulheres, ministra palestras e cursos livres sobre cinema. Atualmente, realiza dourado-sanduíche como pesquisadora convidada na Universidade de Sorbonne (Paris). Mantém a revista eletrônica Les Diaboliques, com foco em filmes de horror.

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