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Críticas

A freira (2018)

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A freira, muito mais do que uma figura típica representante da Igreja Católica, invadiu os filmes de terror para se tornar uma personagem icônica que carrega o paradoxo de portadora do mal. Tal combinação – acrescido do elemento erótico – gerou até um subgênero: o “nunsploitation”. Mas é óbvio que, em tempos de multiplexes e uma plateia mais interessada na narrativa tradicional, o lançamento não traria essa fórmula ofensiva.

A freira (2018) é ambientado em um convento na Romênia, em 1952, três anos antes dos acontecimentos de Annabelle 2: A criação do mal (2017). Após o suicídio de uma freira, o padre Burke (Demián Bichir) e a noviça Irene (Taissa Farmiga) são enviados ao convento para investigar se a abadia ainda é sagrada, já que o Vaticano preza pela segurança de suas religiosas. Os dois são ciceroneados por Franchie (Jonas Bloquet), um habitante local que bem conhece a má fama do lugar e, como é tradicional nas clássicas histórias de horror, alerta-os sobre seus perigos. Também como de costume, os visitantes ignoram os avisos e acabam enfrentando o mal que ali habita.

Um aspecto positivo dos desdobramentos da franquia Invocação do mal é que se estabeleceu uma linha do tempo com datas (e, no caso, locações) muito distintas, o que, de certo modo, enriquece este universo compartilhado. De fato, as locações, velhos castelos localizados em afastadas cidades romenas, impressionam na tela. Isso sai do lugar comum das produções mais contemporâneas, geralmente urbanas, e resgata uma inspiração literária clássica. O fato é que A freira apostou em um filão um pouco antiquado hoje em dia, que é o horror de base católica, muito popular nos anos 1970, com os arrasa-quarteirões O exorcista (1973) e A profecia (1976). Claro, o tema da possessão e do exorcismo nunca esteve fora de moda, mas A freira se joga de cabeça nos elementos católicos. O problema é que, ao contrário dos clássicos citados, permanece apenas no raso.

A incontrolável ânsia pela comicidade é uma característica típica dos filmes de James Wan (criador deste universo compartilhado e autor do argumento de A freira). É como uma autossabotagem: dedica-se empenho e esforço para construir uma cena climática e, como um balde de água fria, surge uma piada ou uma frase feita que não gera nada além de constrangimento. Horror e comédia é uma combinação possível (Sam Raimi diz “olá”), mas é necessária uma base sólida para que funcione, caso contrário, uma estrutura frágil pode desmoronar. A sugestão romântica entre a noviça e o camponês também provoca certo desconforto, mas isso não é um problema exclusivo do filme, é praticamente uma regra institucionalizada em Hollywood. Se há uma mulher e um homem jovens, eles devem formar um casal ou, ao menos, isso deve ser discutido.

A Freira, personagem na qual se depositava grande expectativa, é subaproveitada. Se não fosse um ícone tão interessante, não justificaria um filme solo, mas, por boa parte, permanece oculta em meio às múltiplas ações paralelas e às cenas ligeiras, de montagem apressada e à ostentação vazia de efeitos especiais. O horror não é feito apenas de sustos, mas também de pausas e respiros, que são fundamentais para a criação de clima. Mas existe um mérito que deve ser destacado: a trilha sonora. São admiráveis os esforços do compositor polonês Abel Korzeniowski para evocar o medo. A música cadenciada e os sons guturais que eventualmente surgem na composição provocam a sensação de estarmos cercados pelo mal absoluto. Nesse sentido, seu trabalho se aproxima do grande compositor Wojciech Kilar, seu compatriota, autor das trilhas sonoras de Drácula de Bram Stoker (1992) e O último portal (1999), dois grandes filmes de horror das últimas décadas.

Do lado positivo, A freira traz de bom a confirmação de que existe um grande interesse por filmes do gênero atualmente, com um público cada vez mais presente e fidelizado; contudo, é entregue aqui um produto feito às pressas para atender à demanda, que nem de longe corresponde à altura de sua expectativa.

Pesquisadora, crítica, curadora e realizadora cearense radicada em São Paulo, escreve regularmente sobre filmes para livros, encartes de homevideo e catálogos de mostras, além de integrar curadorias e júris de festivais pelo país. Doutoranda em Comunicação Audiovisual (UAM-SP) com pesquisa sobre filmes de horror brasileiros feito por mulheres, ministra palestras e cursos livres sobre cinema. Atualmente, realiza dourado-sanduíche como pesquisadora convidada na Universidade de Sorbonne (Paris). Mantém a revista eletrônica Les Diaboliques, com foco em filmes de horror.

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