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Textos para catálogos

A floresta das almas perdidas (2017)

Tristeza sem fim na floresta do suicídio: produção portuguesa se inspira em mórbida tradição japonesa

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Um dos maiores atrativos da floresta japonesa Aokigahara, além da privilegiada vista para o monte Fuji, é o seu silêncio e tranquilidade. Por este motivo, grande parte de seus visitantes elegeram a floresta como o local ideal para cometer suicídio, o que fez com que o lugar também se tornasse conhecido como “mar de corpos”. O Japão é um dos países com maior taxa de suicídio no mundo, com as vítimas sendo levadas ao ato final devido a problemas financeiros, mas, principalmente, motivadas por doenças mentais ou questões familiares. A longa tradição japonesa em suicídio tem origem na época feudal, quando samurais se matavam em nome da honra, através de um ritual de esventramento popularmente conhecido por haraquiri. É óbvio que isso deixou de ser uma prática recorrente, mas o suicídio pela honra deixou marcas na cultura japonesa.

Essa história mais estranha que a ficção chamou a atenção de escritores e realizadores de cinema, tendo inspirado um punhado de filmes de terror, como Floresta Maldita (2016), O Mar de Árvores (2016) e o português A Floresta das Almas Perdidas (2017), selecionado para a mostra TRASH. O primeiro longa-metragem do diretor José Pedro Lopes se divide em duas partes completamente distintas: na primeira delas, a jovem Irene (Lília Lopes) decide pôr um fim na própria vida no lago que fica numa floresta onde, assim como acontece no Japão, as pessoas vão para se matar. O suicídio da garota desequilibra sua família de modo que Ricardo (Jorge Mota), o pai dela, resolve seguir pelo mesmo caminho trágico. Chegando à floresta, ele conhece Carolina (Daniela Love), uma moça que frequenta o lugar, e os dois caminham juntos por entre as árvores para discutir como irão se suicidar. Apesar de soar estranho, até mesmo isso é uma prática comum na floresta japonesa, com pessoas acampando no local durante dias a fim de decidir o que farão com suas vidas ou quais são os melhores métodos de suicídio. O homem, de modo paternal, tenta a todo custo destituir a garota da ideia de se matar, apesar de sua aparente convicção. A segunda parte é ainda mais interessante e surpreendente, assumindo ares de filme de invasão domiciliar, como Violência Gratuita (1997).

Portugal é um país incipiente na produção de filmes de horror, com cerca de 40 títulos desde os anos 1940 até os dias de hoje, sendo que menos de dez são anteriores aos anos 2000. Ou seja, é um gênero mais explorado por realizadores das novas gerações, e José Pedro Lopes surge entre os nomes promissores da atualidade. O diretor fez cinco curtas de terror em cinco anos, de temáticas distintas. A Floresta das Almas Perdidas tem uma pegada hipster, onde a música tem relevância na composição das personagens, fazendo o retrato perfeito de uma geração de jovens tristes e sem rumo. A bela fotografia em preto e branco deixa o filme ainda mais intimista, enquanto Daniela Love domina o filme com sua personagem misteriosa e intrigante. Por meio de atos inesperados e contrastes que desafiam o óbvio, é um filme que provoca reflexão e que perdura na memória.

Publicado originalmente no catálogo da mostra Trash, em dezembro de 2017.

Pesquisadora, crítica, curadora e realizadora cearense radicada em São Paulo, escreve regularmente sobre filmes para livros, encartes de homevideo e catálogos de mostras, além de integrar curadorias e júris de festivais pelo país. Doutoranda em Comunicação Audiovisual (UAM-SP) com pesquisa sobre filmes de horror brasileiros feito por mulheres, ministra palestras e cursos livres sobre cinema. Atualmente, realiza dourado-sanduíche como pesquisadora convidada na Universidade de Sorbonne (Paris). Mantém a revista eletrônica Les Diaboliques, com foco em filmes de horror.

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