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Juvenília

Os curtas-metragens de Rose Glass

Por um período de 10 anos, a diretora inglesa realizou curtas-metragens que passam pela fantasia e pelo experimental, sempre com um toque de absurdo.

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Rose Glass, diretora e roteirista de Saint Maud (2019), começou a se interessar por cinema ainda criança, quando pôde experimentar com uma câmera caseira. Formada em cinema e vídeo pela London College of Communication e, mais adiante, pela National Film and Television School, a inglesa se aventurou por alguns curtas-metragens de ficção e vídeos musicais antes de desenvolver seu primeiro longa, Saint Maud. O filme conta a história de Maud (Morfydd Clark), uma enfermeira solitária que cuida das pessoas doentes em domicílio. Sua nova paciente é Amanda (Jennifer Ehle), uma ex-dançarina que, apesar de sua má condição de saúde, gosta de flertar e festejar com amigos. Católica recém-convertida, Maud está cada vez mais certa de que sua missão é não apenas tratar do corpo doente de Amanda, mas também salvar a sua alma. Delineada como uma combinação entre Carol (Catherine Deneuve em Repulsa ao sexo) e Travis Bickle (Robert DeNiro em Taxi Driver), Maud é uma personagem maldita, entregue à sua própria obsessão, que se manifesta em forma de espasmos orgásticos e dá à ela a impressão de que está em contato direto com Deus. Saint Maud foi o resultado positivo dos esforços de várias partes para fazer acontecer o projeto pessoal de Rose Glass, exibido em festivais tradicionais de cinema de gênero, como o de Gérardmer, e celebrado em premiações como British Independent Film Awards, onde venceu o prêmio de melhor fotografia.

Foi com os seus curtas-metragens que a diretora conseguiu chamar a atenção da Film4 e do BFI, que financiaram integralmente o projeto. Segundo a diretora, sua vontade é de continuar narrando histórias psicológicas íntimas e distorcidas que ela possa contar de uma forma estilizada e sofisticada: “Quero que o público sinta que está assistindo a algo que não deveria”. Enquanto os próximos projetos não vêm, que tal conhecer um pouco sobre a filmografia anterior da diretora?

Rose Glass no set de Saint Maud

Curtas-metragens de ficção

2010: Moths (curta completo)

Curta estudantil realizado na London College of Communication, mostra o estranho relacionamento entre uma moça e um homem, interligados apenas pelo buraco na parede que conecta seus apartamentos. Um tanto fetichista, é um dos trabalhos mais interessantes da diretora, que explora de maneira simbólica o tema da repressão sexual.

2011: Storm House (curta completo)

Aqui a diretora retoma um dos elementos do curta anterior, que é a incomunicabilidade entre um casal. Enquanto no outro há uma parede dividindo os dois, em Storm House eles habitam a mesma casa, mas existe um quê de absurdo na relação: uma hora eles se agridem, na outra um come enquanto o outro observa, e enquanto a mulher vai parar no teto da casa, o homem está enterrado no jardim. Há um desencontro reforçado pela ausência de diálogos. Um belo exercício de planificação e passagem do tempo.

2013: The Silken Strand (trailer)

Realizado através da National Film and Television School, é um curta sobre um casal às voltas com uma obsessão por cabelos.

2014: Room 55 (curta completo)

Ambientado nos anos 1950, acompanha uma sofisticada apresentadora de programas de receitas que decide passar uma noite sozinha em um estranho hotel. Bem humorado e muito bem produzido, Rose aborda mais uma vez a questão da repressão sexual, através de imagens eróticas e elementos de BDSM. O curta fez uma ótima passagem por festivais, entre eles o SXSW e o Scream Queen FilmFest Tokyo.

2015: “Bath Time”, segmento de A Moment of Horror (trailer)

Still de Bath Time

A Moment of Horror é uma antologia desenvolvida pela rede de televisão Film4, com seis episódios curtíssimos (variam entre 3 e 5 minutos) dirigidos por seis diretoras e diretores diferentes. Depois de sua estreia no London FrightFest Film Festival, os episódios ficaram disponíveis na plataforma da emissora Channel 4. Rose Glass dirigiu o segmento Bath Time, sobre uma mulher ansiosa que, durante o banho, escuta uma fita cassete que orienta como se acalmar em situações de crise de ansiedade. Apesar da brevíssima duração, a diretora conseguiu desenvolver uma sequência bastante assustadora. É interessante a representação da ansiedade como um monstro que está sempre à espreita.


Curtas experimentais e vídeos musicais

Still de We Are Humans

O (2015) é um belo vídeo experimental, aparentemente filmado em película, em que três mulheres performam uma dança dentro de um círculo. We Are Humans (2015) também é sobre o movimento de corpos, nesse caso um tanto disformes, espelhados e coloridos. No brevíssimo Pop (2017), uma mulher brinca com enormes bolhas de sabão em uma tela dividida. Hey Master é um videoclipe em preto e branco da banda londrina The Midnight Barbers. Aqui novamente a diretora recorre ao imaginário do BDSM, com pessoas usando indumentárias de couro e outros elementos relativos à prática. Em The Only Water (2018) a diretora usa imagens dentro de outras imagens, uma bela colagem com flores, insetos e uma performance noturna ao som de uma música tão esquisita quanto fascinante.

Pesquisadora, crítica, curadora e realizadora cearense radicada em São Paulo, escreve regularmente sobre filmes para livros, encartes de homevideo e catálogos de mostras, além de integrar curadorias e júris de festivais pelo país. Doutoranda em Comunicação Audiovisual (UAM-SP) com pesquisa sobre filmes de horror brasileiros feito por mulheres, ministra palestras e cursos livres sobre cinema. Atualmente, realiza dourado-sanduíche como pesquisadora convidada na Universidade de Sorbonne (Paris). Mantém a revista eletrônica Les Diaboliques, com foco em filmes de horror.

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